Mortes Súbitas numa Vacada: Oenanthe crocata
25-09-2017 17:15Num dia quente do mês de Setembro, pelas 12:20 os nossos serviços foram solicitados por um produtor que encontrou três vacas mortas e uma com incoordenação motora e timpanismo ao chegar à vacada. A exploração está localizada no concelho de Elvas, é composta por 120 vacas que se encontravam em pastoreio extensivo, alimentando-se do que sobrava do restolho. O campo estava ainda sem qualquer sinal de erva pelo atraso das primeiras chuvas de Outono.
O efectivo encontra-se vacinado para Clostridioses (reforço anual aplicado à 30 dias), para IBR, BVD, BRSV, Parainfluensa e Leptospirose (reforço anual aplicado à 6 meses) e para Clamídia e Salmonela (reforço anual dado à 11 meses).
Ao chegar à exploração ao fim de 15 minutos, encontrei as 3 vacas mortas e uma vaca em decúbito lateral com timpanismo e hipersiália, na qual, de imediato realizei punção do rúmen com trocanter, através da fossa paralombar esquerda, tendo o animal morrido nos segundos em que decorreu este procedimento.
O que fazer?
O passo seguinte é a necrópsia, para se tentar chegar ao diagnóstico. Sem um diagnóstico preciso não se pode instaurar uma terapêutica segura e eficaz.
Na necrópsia observou-se:
- Cavidade abdominal sem alterações.
- Intestíno, fígado, rins e baço normais.
- Bexiga com urina normal.
- Sem úlceras a nível do abomaso.
- Sem corpos estranhos no retículo.
- Cavidade torácica com respectivo pulmão e coração normal.
- Rúmen normal com conteúdo: com muita palha e pasto, não estando cheio. Com aroma a “verde”.
- Isolou-se tubérculos de Oenanthe crocata.
Perante este isolamento solicitou-se ao produtor que percorre-se um pouco do ribeiro ali ao pé, e em cico minutos voltou com bastantes tubérculos de Oenanthe crocata.
Para o diagnóstico é essencial:
· Conhecer as plantas tóxicas existentes na zona.
· Saber os sinais e sintomas que provocam as plantas tóxicas nos animais.
· Saber quais as análises laboratoriais a fazer para diagnóstico preciso.
· Identificar a planta em questão no aparelho digestivo ou confirmar a ingestão da planta por parte dos animais.
Para evitar situações semelhantes a medida a tomar é simplesmente, não permitir que a Oenanthe crocata exista onde há animais e para isso deve-se:
- Retirar dos ribeiros todas as raízes de Oenanthe crocata, tendo cuidado ao desenterrar as raízes para não deixar nenhuma ao cimo da terra.
- Trinta dias após as primeiras chuvas, percorrer os ribeiros para procurar vestígios da planta e retirá-la caso esteja presente.
Evitando assim que haja ribeiros repletos de Oenanthe crocata como este em Reguengos de Monsaraz.
Deve-se ter especial atenção no fim do verão pois os animais percorrem as zonas húmidas à procura das primeiras ervas e aí podem, com maior facilidade encontrar tubérculos desenterrados pelas patas dos animais ou pelas primeiras enxurradas. Deve-se também ter bastante cuidado, com a limpeza que se efectua aos ribeiros que pode deixar grandes quantidades de tubérculos de Oenanthe crocata desenterrados.
Oenanthe crocata
Conhecida por:
- Embude.
- Nabo do diabo.
- Rabaça ou arrabaça.
- Salsa-dos-rios.
- Cana freixa.
- Acibuta ou aciguta.
- Prego do diabo.
- Flôr do vinho (gregos).
Família : Umbelliferae
Folha semelhante à salsa.
Tubérculo comprido e largo.
Flores brancas rosadas.
Habita em lugares húmidos: Bordas de rios, ribeiros e valas.
Comum em: Portugal, Espanha, França, Reino unido e Marrocos.
Pode estar ausente ou presente em herdades confinantes.
A Oenanthe crocata possui álcoois acetilénicos, a Oenantenol, a Oenantenona e a Oenantotoxina que é extremamente tóxica. Encontram-se em toda a planta mas concentrada nos tubérculos, que libertam um suco amarelo altamente tóxico, com um gosto que não é desagradável. Os ruminantes comem a rama sem que esta lhe provoque qualquer efeito.
As referências bibliográficas referem que 1 a 2g de tubérculo por kg de vaca provocam a morte destas, isto é, 500g a 1kg por vaca de 500kg. Na minha experiência são necessárias quantidades inferiores para produzir a morte dos animais (ex. 50g para uma vaca de 500kg).
A Oenanthe crocata é tóxica para o Homem. Estão descritos alguns casos em humanos como o de 8 crianças que comeram tubérculos, tendo 5 falecido e as 3 restantes sobrevivido após violentas convulsões e respectivos tratamentos. Outro caso refere-se a um camionista que teve uma avaria no seu camião e enquanto esperava pela assistência, colocou folhas de Oenanthe crocata na sandes, pensando que era Aipo. Faleceu 3 horas após a ingestão.
Esta planta já foi utilizada para muitos fins:
- Veneno para toupeiras e ratos.
- Narcótico.
- Para o tratamento:
- Pedras da bílis.
- Úlceras da pele infectadas.
- Erupções da pele.
- Lepra e ictiose.
- Epilepsia.
- Apoplexia.
- Tendo sido uma coqueluche no tratamento: asma e catarro brônquico.
Ao apresentar estes diversos usos, quero com isto alertar para o perigo no uso de plantas não comestíveis (tóxicas) para outros fins, como nas infusões, cremes ou outros. Essas utilizações devem ser testadas cientificamente, com estudos laboratoriais e em animais e só após estudo dos resultados desses trabalhos, essas plantas em doses determinadas devem ser utilizadas no tratamento de pessoas ou animais.
Atenção que o contacto com o tubérculo fresco pode provocar irritações e edema da pele.
Os sinais e sintomas aparecem muito rapidamente após a ingestão, uns 15 a 30 minutos, levando a alterações neurológicas, musculo-esqueléticas e digestiva:
- Nervosismo
- Miose
- Atonia ruminal
- Timpanismo
- Cólicas
- Tremores
- Hipersiália
- Dispneia
- Incoordenação motora
- Decúbito lateral com extensão dos membros
- Convulsões violentas » Opistótonus
- Morte
- Decomposição
O tratamento para um animal que consuma poucas quantidades e está vivo quando o veterinário chega pode ser o seguinte:
- Pentobarbital sódico (controlo das convulsões).
- Vitamina B (protecção do sistema nervoso).
- Dexametasona.
- Betaina, arginina, ornitina, sorbitol (ornipural®).
- Analépticos cárdio-respiratórios
Para qualquer esclarecimento adicional, não hesite em contactar nossa equipa. Teremos todo o gosto em esclarecer qualquer questão.
António José Carola Espiguinha Cortes
Tef. 963013099 - mve@sapo.pt